terça-feira, 23 de novembro de 2010

Tua alma



Entra em minha casa, caminha um tanto mais... e não te impressione este pátio ermo e ressecado - ele é um sinal. Se queres conhecer minha casa, ignora este pátio ermo e ressecado: ele é um sinal.
Se fores capaz de prosseguir, vem então... percorre esta horta abandonada e estes jardins sem flores, eles sao outro aviso... se queres conhecer minha casa, esquece esta horta e estes jardins.
Vem, segue um tanto mais a inspiração que dirige teus passos e repudia os passos que querem dirigir teu coração pois, do contrário, serás incapaz de conhecer minha casa.
Sim, vem por esse pântano, ele esconde a chave que abrirá os portais de minha casa. Se fores capaz, atravessa o lamaçal, com o barro a tocar-te os joelhos... segue, se possível sem perguntar... o barro pode ocultar segredos... e em segredo te direi: "bem-vindo és à minha casa!"
E agora aqui estás, nesta planície, livre de toda paisagem. Uma planície repleta de nada por todos os lados. Se fostes capaz de chegar até aqui fecha agora teus olhos, pois aqui eles são desnecessários.
Deixa que a sensação que te invade te suspenda no vazio e entrega-te a ela... confia, porque estás próximo... agora despede os pensamentos, deixa que tua mente adormeça, porque em minha casa não entram nem pensamentos nem mente.
Abre assim teus verdadeiros olhos e exulta: minha casa és tu mesmo, livre de toda paisagem. Tu és a casa, vazia, sempre vazia, para que, permanentemente, transborde a luz que nela se reflete e a transpassa!
Tu és a casa! Tu és o espelho que se poliu até estampar a imagem do próprio Sol!

Júlio Polidoro

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Loucos de Deus



De que equilíbrio falas
Sendo o amor a loucura de Deus?
Bem sei o mundo como é.
Mundo de humana sanidade
E tanta desarmonia.
Observa o cão:
É mais digno que um emir.
Emires são de humana sanidade,
Observam prescrições, rendem graças,
Cumprem ritos formais
Com a mente adornada de maldade.
São a pantomima da ternura
Em um coração impregnado de voracidade.

Cães são apenas cães.
Cumprem sua destinação.
Por isso são insanos para os homens.
Cães, contudo, estão plenos de harmonia
Na execução de seu destino.
Haverá loucura mais sã
Do que ter ciência de sua origem e seu fim?
Haverá loucura mais amorável
Que o olhar de Majnum que não vê outra coisa
Que não Laila diante de seus olhos?

Eu prefiro ser o cão que ladra pelo caminho
O mendigo que esmola o cisco que pisaram os pés do rei
Eu prefiro dormir ao relento sob o pálio das estrelas
eu prefiro sentir sede, sono e fome
e seguir o rastro do meu coração;
eu prefiro meu espírito inquieto
ao sossego das almas envenenadas.

Ouve, escravo da humana sanidade:
- livra-te dessa corrente, libera-te,
Para ser são nesse mundo precisas da loucura...
Somente os loucos do mundo chegaram ao amor de Deus,
Somente aqueles que se libertaram das amarras do condicionamento
Alcançaram a compreensão de sua origem e destino.
Quem já provou desse vinho não tem paz de espírito
Sorvendo os sabores insossos do mundo.
Desejará, a todo momento, redescobrir a vinha
Onde provou da água da vida, o vinho do ser-e-não-ser,
O elixir da transcendência.

Tenho nos lábios esse sabor,
Como se o beijo da amada permanecesse comigo,
Como se seu hálito fosse meu hálito,
Minha sua respiração.
Quando se ama parece que nos tornamos um só;
Assim também é com aquele que prova o gosto da verdade:
Ele apenas sobrevive às coisas, pois nada mais o alimenta, nem sacia.
Sua permanência nesse mundo só se justifica pela e para a busca
Do poço da água viva, aquela que jorrará generosa depois de redescoberta.

Um homem que encontrou seu destino jamais será o mesmo.
Haverá um corpo andante menor que seu hóspede,
Como uma concha que carregue uma estrela.
Um homem de sanidade é louco nesse mundo.
Um homem encontrado anda como um perdido nestas terras.
Pois é incapaz de conter a dança do espírito, o giro de sua alma
Em sincronia com os astros.
Um homem encontrado é, nesse mundo, perdido.

Ouve, humanidade insana, o mundo é desequilíbrio:
Abençoai a loucura!