terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Prece de Natal



Senhor, o que serão os dias futuros
senão um acúmulo de agoras?
Fazei do nosso instante
a presença da eternidade.

Senhor, o que é o tempo passado
senão a lembrança de algo que não é mais?
Fazei-nos inteiros sempre,
para que a lembrança não amargue em saudade.

Senhor, o que é fidelidade
senão a alma que escuta o coração?
Fazei-nos incoerentes com o mundo aparente
para sermos unos com a verdade.

Senhor, o que é a fé
senão a capacidade de ausentar-se
de toda distração e desejo
e ainda assim inundar-se de esperança?
Elevai nossa fé
à força do grão de mostarda.

Senhor, o que é a bondade
senão saber ouvir, ousar, fazer e calar?
Fazei-nos mansos como cordeiros
e prudentes como serpentes.

Senhor, o que seriam as palavras
sem a substância da fala
e os ecos da alma?
Pois nem tudo que se diz
é o que se pensa
e nem tudo que se pensa
é o que se sente.
Fazei-nos sábios para falarmos
com o coração
e sapientes serão todas as palavras.

Senhor, o que é a humildade
senão o desconhecimento do orgulho?
Fazei-nos despojados
e cônscios de que nada somos, possuímos.
E seja esta nossa maior fortuna.

Senhor, o que é o Amor
senão a maneira concedida a cada um
de cumprir com Vossa Vontade?
Fazei com que nossa primeira recordação
ao despertar seja o Vosso Nome.

Senhor, para o que fomos criados
senão para o reencontro?
Fazei-nos polidores de espelhos
para que neles se reflita o Sol.

Senhor, que o Natal
seja o contínuo renascer da consciência
e Seu Espírito se manifeste
nos corações despertos e harmoniosos.

Ajudai-nos
a sentir o ”sempre” no “instante”,
a celebrar o céu dentro de nós,
a ser canal do amor sem posse,
e ser do amor que passa o amor que fica
em cada gesto, em cada despedida,
em cada encontro, choro ou riso,
o amor que nunca muda
e muda tudo: transforma a mão que agride
em acalanto
e faz do pranto mudo esse sorriso,
e do velho sisudo uma criança.
E desperta na gente essa certeza
de que Deus é o próprio Amor, em sua grandeza,
e nós as filigranas dessa Estrela

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010


Eu desejo e busco a verdade,
ainda que, durante a vida,
venha mentindo para e acerca de mim mesmo.

Mas sou algumas vezes verdadeiro.

O homem comum não pode entender esse fato.
E eu, embora em nada melhor
que o comum dos homens, sou capaz de compreender.

Um profeta rogou ao Criador
que lhe mostrasse as coisas
como elas realmente são.

E a maioria de nós
faz da própria imagem a idéia de si mesmo:
quero mais que a idéia de mim mesmo.

Como pode haver verdade numa idéia,
numa bolha que se desfaz,
ou no efêmero edifício?

Tudo há de ruir, como tudo que passa.

O que permanece é a verdade.

Lacaios da usura são os muros caiados da repetição. Dos recorrentes esquemas do pensamento e nossa absurda e fácil rendição a tais esquemas.

Nossa rendição a tais esquemas nos faz acreditar que somos somente a casca e não, inclusive, o fruto que a mesma envolve. O grande segredo da noz está no sabor que o fruto segreda em si mesmo. Daí a impertinência da casca em se julgar a própria noz.

Somos milhares de cascas andarilhas, perambulando de um lado para outro, sem consciência do próprio fruto, de sua essência de noz, em estado puro.

Como muros caiados nos mostramos cheios, quando estamos vazios. Pois a presença do fruto só é sentida quando ocorre antes a lembrança do fruto, culminando no conhecimento da noz, em sua realidade.

Mas, porque nos cremos cascas, e porque fomos desde tenra idade treinados e moldados a crer que fomos, somos e seremos eternas cascas, sempre que uma n(v)oz desponta, dizendo “lembrem”, nos viramos e bradamos “louco”!

Somos lacaios da usura. Escravos da repetição. Somos muros caiados. Fantoches da convenção. E estaremos em ritos exotéricos e solenidades, hasteando bandeiras e recitando versos, sendo heróis e mercenários. Somos "mobile" de todos esses ritos que nos subtraem de nossa condição e nos levam a pensar que somos “isso”: apenas essa casca sem viço, ostra sem pérola, gota sem oceano.

Contudo, ainda que não queiramos, a casca há de se quebrar um dia.