sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dois poemas

GESTAÇÃO



O profundo fundo mar absoluto

é uma concha recolhida que ausculto



uma concha de outro mar que se perdeu

uma concha do oceano que era eu



mar imerso no oceano do teu útero

oceano do infinito absoluto



no infinito do cordão umbilical

quando sol eu era, feito sal



da Terra.





MOTO-PERPÉTUO



Nívea nuvem sobre o negro coração

nunca a noite foi tão clara como então.



Nunca o ritmo do rio que retorna

com seu rito repetido se renova



posto que águas abundantes amealhem

comuns cursos que comuns nunca serão.



Passam rios diferentes pelo leito

e meu rosto diferente é o mesmo



pois diversa a imagem ao espelho

não diverge da imagem que não vejo.



Eu aspiro ao que não tenho; o que quero

está longe do que alcanço e postergo



quando alcanço algo outro é meu desejo.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ecoa em mim o som da flauta de bambu...
E a lágrima que escorre pela face desce pela nuvem,
E os braços fortes do vento são os que embalam a criança,
E o verme que consome a morte é o que alimenta a vida.
Aqui um velho falece ali nasce um pequenino,
Os ombros que se curvam são aqueles que se abrem,
O sol que queima o rosto também beija a lua.

Então eu compreendo a vida quando ecoa a flauta...
Porque, dentro de mim, não há mais nada.

A flauta quando toca me separa
De tudo que não sou e aí sou tudo
E tudo a mim se mostra de maneira clara.

Assim a flauta ecoa sem passado,
A flauta ecoa assim sem ter futuro,
Além do que é agora não há nada.

Se a flauta ecoa em mim me desconheço,
Aquele que a ouve sou e é mais que eu,
Aquele que a ouve é a própria flauta,
Aquele que a ouve é a melodia,
Aquele que a ouve é sua alma.

A flauta quando ecoa é sua alma
Na alma que há em mim e em tudo à volta.
O mundo é sua alma e sua flauta.

Assim percebo a vida que não vejo
Com olhos que não tenho
E ouço a melodia sem ouvidos
Porque, dentro de mim não há mais nada.

A mesma coisa encerram ocaso e alvorada,
A música que há em mim é a mesma que te embala.
Da flauta de bambu ecoa a lágrima
Que desce pela nuvem e pela face
E quando se encontram outro sol nasce
E tudo se aquieta, nada se separa.

Eu ouço o som da flauta e agora entendo
além do que eu pense, ou compreenda,
E além do que eu sinta, ou me emocione,
O som da flauta une a quem separa
E muitas tantas são as árias,
Sim as árias
Que ecoam numa só
Eternamente,
A flauta que ecoa em nossas almas.