segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Hino ao sol

Não farei luz nem sombra em teu território... também não arrancarei daninhas ervas, nem semearei, nem colherei...
A mim me importa cruzar a tua horta junto às virações da lua, não ser, nem estar em tua paleta... apenas passar com a aragem, deixando um não deixar nos ramos, uma lembrança do futuro, o dia que jamais se cumprirá, na esperança, ensaio de orvalho em teu jardim...
Porque, se luz ou sombra pretender-me em tua planície, mutilarei o sol com filigranas, usurparei a lua com poções estranhas. Porque, se pretender arrancar daninhas ervas, e plantar outras colheitas, arrancarei somente as ervas que diviso, semearei apenas aquilo que plantei... e sei em mim, embora te quisesse, como tua fosse minha seara, que o chão onde plantei é outro, de outra natureza minha messe...
Eu sei, que mesmo que sonhasse um em dois, e mesmo que soubesse todos num, e acreditasse que o Um em todos é, não são a mesma luz, a mesma sombra, não são daninhas ervas tão iguais, não são iguais colheitas que se plantam.
Assim, estando livre, serei teu. E tu, por pertencida, serás livre. E nós em outro continente, além de luz e sombra.
Essoutra terra, land, esse terreiro onde se dança o rito ancestral... Um não-lugar que dentro é onde, um ar no vácuo, um buraco negro cheio de quasares...
Um ritual que dança onde esteja, seja entre as gentes ou eu solitário, um campanário soa sem enredo, em meio a grandes loas de silêncio... esse buscar sem busca em que me vejo, seja na chuva, sol, ou no banheiro, serei, no tempo, e mesmo fora dele, um estrangeiro.
Em tudo que se procura, em tudo que se apura, para o bem, para zen de todos nós, basta olvidar que a vida não precisa nos lembrar que, sonhando, haveremos de acordar...

Lampejos muito distantes de um reino que já foi nosso refletem em nosso ócio a sombra da nostalgia... do que reino que foi nosso, um dia...

QUEM SÃO MEUS IRMÃOS?

Meus irmãos de sangue talvez sejam meus melhores censores... seguramente enxergam meus piores defeitos. Defeitos que eu mesmo desconheço. Contudo, meus irmãos de sangue não são meus melhores amigos. Os amigos amam, sem impor o limite da censura... me aceitam como sou e, ainda que tenham o que censurar, se o fazem, fazem como alguém que ama.
Mesmo em tempos melhores, não me lembro de um irmão me procurar para saber apenas de mim, apenas de quem sou, com meus erros e defeitos, apesar... mas recordo as inúmeras vezes em que “tentei” me aproximar, apenas para saber do irmão, dos seus entes queridos... eu fiz isso!
Meus irmãos de sangue talvez me apresentem a você melhor do que eu me apresentaria a mim mesmo (já que a auto-indulgência me faria ver, em minha própria avaliação, meus problemas com panos mornos). Contudo, meus irmãos de sangue não são meus melhores avalistas. Os amigos, sim, podem pintar as sombras do quadro, mas farão questão de dotar a obra de alguma claridade.
Mesmo em tempos melhores, não me lembro de um irmão realçar com a mesma veemência minhas poucas qualidades, tanto quanto realçou meus defeitos. Porque, apesar de crítico com eles também, já que sou humano, naquele tempo eu me empenhava por realçar suas qualidades, mais que os defeitos.
Meus irmãos de sangue são isso: irmãos de sangue. Porque, se existe algum amor, o seu amor por mim vem depois de suas críticas. E isso certamente não é amor de quem ama. É amor de cobrança, quem espera que você seja algo que não é. Eu nunca fui às suas vidas dizer o que deviam ou não fazer, como vieram à minha vida, seja por que via fosse.
O amor talvez não seja uma questão de “entender”, como um de vocês me disse um dia. Mas uma questão de aceitar o outro como é. Não importa se um louco, um desequilibrado, se um irresponsável, se um idiota.
Mas o que digo eu? Meus reais irmãos são aqueles que às vezes nem muito vejo, são aqueles que me escutam pelos olhos, e comigo falam, pelo coração.
Estes são meus verdadeiros irmãos.

DA FÉ

De tremer a fé, nem vejo
que eu, que minto, espero, espero
que os outros sejam verdadeiros.

Feito uma agulha no palheiro:
se sincero sou
os outros mentem.

Eu sou mil pedaços do inteiro:
as partes de mim, que de mim perco
nesse recordar, que agora esqueço

são um trapo em trajes elegantes,
um nobre bufão, um ser errante,
um lobo, na pele de um cordeiro.

Sou quem chora, calando o desejo,
quem sorri, ao desejo alcançado,
mas não sou desejo, riso, choro.

Sou quem chega antes, não primeiro,
o que vem depois, não sendo último,
o que, por negar, vive afirmando,

quanto não e sim têm de nulos.
Sou o réu falante, de tão mudo,
que o júri condena, antecipado,

tenha eu virtudes, ou pecados,
seja eu um santo, ou demônio,
condenado estou, sem ser julgado,

à colheita errante dos pedaços
à messe da parte como todo.


Júlio Polidoro