sábado, 25 de julho de 2009

Sete véus


Antevejo estrelas por detrás do sol
por detrás do céu estrelas antevejo
como quando era tal antes de ser
como quando antes fez-se como tal.

Como quando antes para ser
não houvesse antes, nem depois.
Como se depois o sempre fosse,
como fosse sempre o depois,
o futuro, o ontem, o que é.

Como é agora o que foi
e será depois o que é agora,
o futuro, a hora que virá:

antevejo céus que inda serão
como céus amava porque eram
e que amo agora, porque são.

O que permanece é consciência


Em meu pensamento organizo a lembrança de quem sou, de quem fui e de quem ainda posso ser, enquanto os pés deslizam sobre a areia. Sobre a areia os pés caminham sem saber que o pensamento busca na lembrança o próprio ser.
Mas meus pés são parte de quem sou e meu pensamento só se faz porque o corpo assenta sobre eles; porque ossos, pele, carne, vísceras cumprem sem pensar o seu papel. E meus olhos, feitos para ver, e meus ouvidos, feitos para ouvir, e a boca, afeita ao falar, vêem, ouvem e falam somente o necessário para manter o corpo equilibrado e a recordação florir o pensamento.
Uma parte em mim é toda ação, outra parte assiste ao movimento, sem parar, contudo, totalmente.
O que permanece é consciência...

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Além do gesto


O teu vizinho acena com os olhos
porque as mãos, no gesto previsíveis,
apenas cumprem ritos repetidos.

Entanto os olhos, estes inda movem
a mão que acena dentro da pupila
buscando aldravas, portas no escuro.

Buscando portas, como aos outros olhos,
a tua mão responde, ato contínuo:
também tateia dentro da pupila.

Assim o ato externo, formalista,
oculta, interno, outro, verdadeiro,
que comunica algo mais profundo.

Seja no quarto, sala, ou banheiro,
horas ou dias após o cumprimento,
nenhum dos dois se lembra do aceno

porém nos olhos, dentro da pupila,
prossegue o gesto das mãos se movendo,
buscando aldravas, portas no escuro.

O que nos move


O que nos move é necessidade, é esperança em coisas impossíveis. É creditar verdade ao verossímil. É sustentar-se fé na voz silente, é ir além do próprio pensamento, é achar água plena no deserto, é não ter fome mesmo que faminto.
O que nos move, além do próprio sangue, é sua fonte, mais que o coração, é imergir na própria identidade, é transmutar-se, para ser, então.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

De alma para alma


para a amiga Valéria Nogueira

namastê, as salam aleikum, a paz esteja contigo
no brilho dos teus olhos
no estribilho das pupilas
que, estrelas, são reflexo da alma
que canta de saudade
do não lugar
no oceano sem mar
que une toda gota numa só

terça-feira, 7 de julho de 2009

discurso para os que dormem acordados

MAIS MAGRITTE

Poemas

MAIÊUTICA KRISHNAMURTIANA

Penso o arremesso de uma flecha.
Desde o começo. Meço
o pensamento do arqueiro. A meta.
O arco que a amolda, em linha reta,
a mão que a dirige
e a mão que a solta.
Penso a paisagem que há à volta:
nada importa,
senão para quem mira, o alvo que persegue.

Sumiram paisagem, céu, escolta.
Tornaram-se um só o alvo e o arqueiro,
a mão, o arco e a flecha.

Não há quem observa, ou coisa observada:
o universo em torno é um nada
porque somente existe no instante
um alvo, um arremesso, uma flecha,
a porta que se fecha e se abre
a outros partos...

EMMANUEL

Aos irmãos do caminho me uno
por atalhos outros.
Estamos indelevelmente ligados
até o fim dos tempos.

Léguas adiante das eras,
além da verbena e seu aroma,
somos.

E nos reunimos sem nos reunir,
e nossos passos se movem nos passos
de um único amigo, em sua singularidade.
E a singularidade do amigo
se move em nós.
Simplesmente porque não há passos,
não há espaço que nos comporte
se o somos além de si,
como um feixe que não se cabe.

Somos a saga dos incontinentes,
a irmandade do sol,
colhedores de estrelas, astros nós próprios,
na implosão do encontro,
evento sem tradução, junção do ômega com o alfa.

Somos a paz presente, sem atravessadores,
o nicho do Um em todos,
a perfeita transparência.

Somos espelho, espelho somos,
polidores do sonho mais que real.

Me uno a meus irmãos
por mais pareça afastado
e ouço sua música
no meu coração.

O SABOR DAS COISAS

Para José Polidoro


Experimento o sabor das coisas.
Fruta ora fel,
outras muito doce.

E apreendo ecos de certeza
n'Aquele que criou, ao paladar,
o gosto das coisas verdadeiras.


INEFÁVEL

Daqui despeço as palavras.
Não há nada a dizer. Ou tudo.
Se abro minha boca fico mudo:
é como descrever o mundo a um cego.

Por mais caprichos tenha, e esmero
na descrição daquilo que não vejo,
por mais que meu capricho vire zelo
para expressar, sem ver, tudo que sinto,
eu digo a verdade assim, mentindo,
pois como hei de dizer o indizível?