MAIÊUTICA KRISHNAMURTIANA
Penso o arremesso de uma flecha.
Desde o começo. Meço
o pensamento do arqueiro. A meta.
O arco que a amolda, em linha reta,
a mão que a dirige
e a mão que a solta.
Penso a paisagem que há à volta:
nada importa,
senão para quem mira, o alvo que persegue.
Sumiram paisagem, céu, escolta.
Tornaram-se um só o alvo e o arqueiro,
a mão, o arco e a flecha.
Não há quem observa, ou coisa observada:
o universo em torno é um nada
porque somente existe no instante
um alvo, um arremesso, uma flecha,
a porta que se fecha e se abre
a outros partos...
EMMANUEL
Aos irmãos do caminho me uno
por atalhos outros.
Estamos indelevelmente ligados
até o fim dos tempos.
Léguas adiante das eras,
além da verbena e seu aroma,
somos.
E nos reunimos sem nos reunir,
e nossos passos se movem nos passos
de um único amigo, em sua singularidade.
E a singularidade do amigo
se move em nós.
Simplesmente porque não há passos,
não há espaço que nos comporte
se o somos além de si,
como um feixe que não se cabe.
Somos a saga dos incontinentes,
a irmandade do sol,
colhedores de estrelas, astros nós próprios,
na implosão do encontro,
evento sem tradução, junção do ômega com o alfa.
Somos a paz presente, sem atravessadores,
o nicho do Um em todos,
a perfeita transparência.
Somos espelho, espelho somos,
polidores do sonho mais que real.
Me uno a meus irmãos
por mais pareça afastado
e ouço sua música
no meu coração.
O SABOR DAS COISAS
Para José Polidoro
Experimento o sabor das coisas.
Fruta ora fel,
outras muito doce.
E apreendo ecos de certeza
n'Aquele que criou, ao paladar,
o gosto das coisas verdadeiras.
INEFÁVEL
Daqui despeço as palavras.
Não há nada a dizer. Ou tudo.
Se abro minha boca fico mudo:
é como descrever o mundo a um cego.
Por mais caprichos tenha, e esmero
na descrição daquilo que não vejo,
por mais que meu capricho vire zelo
para expressar, sem ver, tudo que sinto,
eu digo a verdade assim, mentindo,
pois como hei de dizer o indizível?
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