sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A sarça é o ser

Nasceste com olhos invertidos.
Nascemos todos assim:
olhos mundanos para dentro,
olhos da alma para fora.

Portanto, se te disserem “cego”, cala-te.
Aquele que tem a sorte de notar tal inversão
pugilará com a própria sombra
até que a mesma se dissipe.

Não é teu destino fazer sombra
senão ser espelho do sol.
Cabe que revolvas teus olhos
até que o universo se alinhe
à visão fecunda da alma.

Se os homens soubessem
abandonavam excessivo fausto:
o que valem mil castelos
ante uma única estrela?
Se os homens soubessem
sentiriam que a sarça
é o sol ardente do espírito.

O que é a posse
senão sombra avistada por olhos inversos?

Na verdade sequer precisas destes olhos.
Revolve-os, até que caiam
e então verás as coisas como são.

Hoje senti o sol de minh’alma
em lapsos de segundos
que ainda não sei prolongar.
Graça ou conquista, não importa,
hoje senti a sarça ardente do meu coração,
a tocha inflada do amor se expandindo do meu peito
e acendendo milhares de piras e constelações!

Hoje, por frações de segundos,
minh’alma ocupou o mundo e seguiu além dele,
o universo aquietou-se no regaço do meu ser,
eu fui o universo e o universo fui eu,
até que segui além de onde
não existe nome, nem palavra.
Então eu não estava em mim, e era.
E sendo eu mesmo, seguia muito além de mim,
e do que fosse possível imaginar.

Hoje, o céu tornou-se meu tugúrio
e o sol regurgitou-se dos meu olhos bem abertos,
feito uma cascata de astros iluminando o desamparo.

Hoje, o Amado fez de meu casebre
o mais suntuoso palácio
e erigiu em meu rincão a mais alta torre,
para alinhar, aos meus olhos,
a bem-aventurada visão da Realidade.

Júlio Polidoro