sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

ESPÓLIO


Leguei-me o espólio das coisas necessárias.
Há textos que escrevi, releio e não entendo. Então não há motivo para herdá-los, e rasgo cada fio das palavras.
Eu vejo essa arca abarrotada, tão cheia dos cacos que juntei: frações de tecido, a mecha do primeiro corte. Os cortes que jamais cicatrizaram.
Revejo o pião e o barbante, que antes o laçava, revejo as mãozinhas que o lançavam: com eles a vida rodopiava... e gira até hoje, na calçada.
Leguei-me um espólio de fantasmas: pedaços do que fui nestes retalhos, chaveiros, figurinhas e retratos. E estes, mesmo estes, apagados. O “quem” que neles vejo é só miragem do oásis que até hoje é imagem daquele que, inda sendo, é em parte, das partes que juntei, mas separadas, não expressam o todo, não são nada.
Leguei-me o real e o imaginário, e guardo quem não sou do meu passado, e guardarei depois, do inanimado, lembranças tantas, tão desnecessárias.

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