O amor passou por mim
em sua liteira de nuvem:
desejo de querubim,
projeto de herói e de mito
nos rituais de passagem.
O amor passou por aqui
levando, em sua voragem,
pedaços da paisagem
e muitos pedaços de mim.
O amor seguiu por ali,
seguiu para além de si
e eu, perseguindo a imagem,
pelo caminho fiquei.
Ficaram também, aqui, reis,
vassalos, nobres e bêbados.
Ficaram poetas, aedos
e noivas abandonadas.
O amante ficou sem amada
e todos carentes do amor.
O amor seguiu e ficou,
tocou, e não foi tocado.
O amor se foi, por inteiro,
atravessando janeiros:
cravando espadas de afeto
no peito de homens perplexos,
dobrando-lhes a cerviz.
Dobrou a dor nos joelhos
quando, abraçado à liteira,
não tive senão o reflexo
das incrustações de rubis.
O amor não estava ali.
Rasgou minhas vestes e veias
mortificou-me em areias
e transformou-me em deserto.
Viajo sem rumo certo
e quando o sinto mais perto,
sei que está longe de mim.
O amor passou por aqui
em sua liteira de sonho
e quanto mais o acompanho
mais perdido me sinto
sorvendo desse absinto
não sei quem sou, ou quem fui.
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